Blog da Escola Municipal Córrego da Bica
Abaixo estão dois dos poemas mais expressivos de Solano Trindade, o primeiro intitulado "Conversa" é um diálogo com outros negros, onde ambos relatam um pouco desta luta racial que enfretam. Utiliza-se de uma linguagem simples para criticar e denunciar fatos reais. "Quem foi que disse que negro não é gente? Quem foi este demente, se tem olhos não vê". O segundo poema, "Tem gente com fome" é clara sua intensão, denunciar a fome. Enquanto tantas pessoas estão preocupadas em ganhar dinheiro, trabalhar intensamente, outras estão sem nada, "com fome", mas não apenas uma fome de comida, mas também de afeto, trabalho, e principalmente justiça.

Conversa

- Eita negro!
quem foi que disse
que a gente não é gente?
quem foi esse demente,
se tem olhos não vê...

- Que foi que fizeste mano
pra tanto falar assim?
- Plantei os canaviais do nordeste

- E tu, mano, o que fizeste?
Eu plantei algodão
nos campos do sul
pros homens de sangue azul
que pagavam o meu trabalho
com surra de cipó-pau.

- Basta, mano, pra eu não chorar,
E tu, Ana,
Conta-me tua vida,
Na senzala, no terreiro

- Eu...
cantei embolada,
pra sinhá dormir,
fiz tranças nela,
pra sinhá sair,
tomando cachaça,
servi de amor,
dancei no terreiro,
pra sinhozinho,
apanhei surras grandes,
sem mal eu fazer.

Eita! quanta coisa
tu tens pra contar...
não conta mais nada,
pra eu não chorar

- E tu, Manoel,
que andaste a fazer
- Eu sempre fui malandro
Ó tia Maria,
gostava de terreiro,
como ninguém,
subi para o morro,
fiz sambas bonitos,
conquistei as mulatas
bonitas de lá...

Eita negro!
- Quem foi que disse
que a gente não é gente?
Quem foi esse demente,
se tem olhos não vê.

Solano Trindade, "Cantares a meu povo".

Tem Gente Com Fome

Trem sujo da Leopoldina
Correndo correndo
parece dizer
Tem gente com fome
tem gente com fome
Tem gente com fome

Piiiiiiiiiiiii

Estação de Caxias
De novo a dizer
De novo a correr
Tem gente com fome
tem gente com fome
Tem gente com fome

Vigário Geral
LucasCordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
OlariaRamos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
Tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes
Querendo chegar
em algum destino
Em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
Se tem gente com fome
dá de comer
Se tem gente com fome
dá de comer
Se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio do ar
todo autoritário
Manda o trem calar

Psiiiiiiiu!
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